sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Pedacinhos

Essa coisa de gostar de alguém é tão simples, mas por vezes tão complicada, que tenho medo. Ferir o coração é tão doloroso que nem sempre as recompensas de um possível romance são suficientes para lançar-me a um desejo reprimido.

Sofrer de amor é curar-se por inteiro depois que o corpo acostumou-se a tremer diante da sombra de quem um dia nos fez sorrir.

Idiotas são aqueles que se apaixonam a cada minuto, sentem seus corpos sussurrarem, como se estivessem no meio do último sexo selvagem de suas vidas.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Perdida entre sussurros

Perdida entre sussurros, gritos, batidas – e o som frenético que saia da guitarra estourando o limite dos decibéis –, Karina caminhava entre os bêbados. Seu salto de dez centímetros, a calça jeans escuro, os cabelos soltos, a maquiagem bem feita e os lindos olhos castanhos atormentavam aquelas pobres almas que clamavam por mais uma dose de uísque paraguaio e algumas tragadas de um cigarro qualquer. As amigas, já devidamente acomodadas nos braços de um malandro com cara de puto, emitiam gargalhadas de prazer. Karina, por sua vez, fora do habitat natural, não sabia se sentava ou ficava em pé chacoalhando a cabeça, fazendo de conta de que a musica a embalava naquela noite de merda. Resolveu sentar na primeira cadeira que enxergou em meio ao breu formado pela fumaça. A sua frente, uma mesa molhada com dois copos de cerveja pela metade e um cinzeiro repleto de bitucas amassadas. Ao lado, um daqueles homens com cara de puto ainda esperava por um par, mas Karina não dava sinais de que se entregaria ao prazer vagabundo.
Trinta minutos se passaram e os olhos de Karina apenas se cruzavam com o do estranho num sentimento formado por tesão e repulsa. A moça, que frequentava apenas as boates mais requintadas, estava acostumada com a cocaína e os ácidos mais puros. A maconha de quinta, preparada naquele puteiro de fundo de quintal, era algo muito distante da realidade de Karina. Os lábios do homem, que insistia em comê-la com os olhos, apertavam o terceiro beque da noite. Seu cérebro já o levava a mundos dos mais variados e sensações das mais distintas.
Com medo de render-se a imundice moral do lugar, Karina levantou e foi ao banheiro para mijar e retocar a maquiagem. Ela só alimentava um único desejo naquele momento: que aquele som do caralho explodisse a guitarra e meus tímpanos ficassem livres. Afinal, ela não podia sair sem suas amigas. Então que o martírio fosse ao menos amenizado. Ela voltou ao lugar e percebeu que algo estava diferente. Do outro lado da mesa vinha um cheiro de sexo misturado com álcool. Agora o homem a encarava e parecia quase impossível escapar. O corpo de Karina tremia por inteiro e o ar de superioridade ia junto com a respiração ofegante. Ele a ofereceu um cigarro e ela disse que não fumava. Insistente, o homem esticou o braço e a entregou um copo com cerveja. Amedrontada e ao mesmo tempo bastante excitada, Karina aceitou. Para tranquilizá-la, ele garantiu que no copo só havia cerveja. Ela esboçou um ar de quem finge que acredita e ele lhe ofereceu o copo novamente. Ela pegou e num só gole tomou toda a cerveja. Enquanto Karina bebia, o homem aproveitou os milésimos de segundo para olhar aquele belo corpo por inteiro. Desde os seios pequenos e redondos até as coxas grossas. Aquilo lhe deu mais tesão ainda. Ela percebeu a investida discreta do puto e olhou para ele sem saber como agir. Instintivamente, a garota, que aos poucos descobria nutrir os sentimentos mais impuros, levantou-se e foi em direção ao homem. Embora o bar estivesse cheio, naquele momento só era possível escutar os passos de Karina. Suas pernas já dobravam quando dos quartos imundos e escuros sairam suas amigas. Saias levantadas até a metade, maquiagem borrada e olhos perdidos. Uma delas pegou Karina pelo braço e seguiram para o carro.
Na noite seguinte, Karina não lembrava mais do rosto do homem, mas tentava reconstituir em sua memória o que a fez levantar da cadeira e dobrar as pernas na direção do colo de um estranho com cara de puto. No sábado seguinte, ela entra em uma boate qualquer, fuma um baseado e procura sedenta por um sentimento vagabundo.

domingo, janeiro 23, 2011

Artilharia

Talvez aquela bala perdida, sem rumo e sem direção tivesse tido outro rumo que não o meu coração.

Talvez tivesse ela acertado outro pobre ser desmiolado,

outro apaixonado, até mesmo um vagabundo, desses que perambulam atrás de outro coração.

Mas, não, ela foi cruel.

Precisava ser eu o alvo de seu veneno incurável,
de sua maldita mira certeira.

Cá estou assim, alvo contente, talvez sem precedentes.

domingo, dezembro 19, 2010

Sete corações

Dizem que há sete mares, que gatos têm sete vidas e dizem até que existem sete maravilhas no mundo moderno e antigo. Alguém diz isso, mas nem me angustia saber quem são, não quero saber. Será que existem sete corações e, como os gatos perdem vidas, perdemos um coração a cada estilhaçar de esperanças amorosas? Não é uma ideia absurda, levando em consideração que uma hora as pessoas cansam e param de gastar tentativas, deixando pelo menos um coração de reserva.
Se minhas contas estão certas, perdi uns três corações. Sendo assim, ainda tenho quatro. Acho que é o suficiente. Mais cedo ou mais tarde a dona de um deles vai aparecer pedindo a guarda. Sou paciente, esperei uns oitos anos (contando de minha adolescência), espero mais um ou dois dias. Tá, mais um ou dois anos, mas não mais que isso. Enlouqueço se tiver de esperar uma ou duas décadas. Afinal, os quatro corações restantes podem perder o prazo de validade, endurecendo demais.
Pode parecer clichê, démodé, o que for, mas vou gastar as quatro chances que tenho, segundo minha própria maluquice, ou melhor, minha própria teoria. Vou encontrar alguém que o aquiete, faça dormir e embale como num daqueles sonhos dos quais não queremos acordar nunca.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Sampa

Fedida, suja, monstruosa, encantadora, universal. Sim, São Paulo existe. Não é apenas um delírio televisivo. Demorei pra conhecê-la, mas, enfim, estive em seus braços, mesmo que por um dia. Digamos que seja uma senhora enxuta, com seus mendigos e usuários de crack disputando o espaço visual com prédios, carros e monumentos culturais, como o Museu da Língua Portuguesa. Assim como o Brasil, São Paulo pode ser definida como terra dos contrastes, mas também da sedução.
São Paulo, eu voltarei. Tá, isso foi demais.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Tentativa

Queria agora, nessas linhas prematuras, escrever uma história, não sei se de amor, de paixão, de ódio ou uma simples história. Queria que fosse minha vida resumida em palavras simples, daquelas ditas a uma criança. Meus pensamentos vivem em estado de intenso conflito, sem saber para onde correr em caso de emergência. Apesar de que os fios do meu pensamento sempre estiveram alinhados e conduzidos ao lado vermelho da força. As páginas que leio, as imagens que minha pupila decifra, mal e porcamente, são roteiros já traçados de uma história de insucessos repetidos a exaustão. Mas seguirei cansado pelas esquinas, ruas e praças e meu cérebro irá projetar o velho roteiro, para que eu não me perca e fuja para o lado mais confortável, que já me seduziu em outras épocas.
Minha ingenuidade sonhadora me faz acreditar que no futuro os livros ainda vão contar histórias felizes e escritas pelos meus amigos. Há cinco anos fiz uma escolha pensando que um dia seria capaz de fazer nas páginas dos jornais. Sei que não posso, ainda, vejam bem, ainda. Eles ainda vão falhar. Esse podre sistema não pode ser tão podre. No dia 3 de outubro essa prova será dada.

terça-feira, agosto 03, 2010

Um dia eu vou, mas não agora!

Tenho medo da morte. Ela nunca me perseguiu, mas tenho medo dela. Sei que ela me ronda, me cheira, me sente me deseja, mas nunca foi explícito, nunca foi um amor declarado. Vejo ela nos jornais, na TV, na rua, na esquina, na casa do vizinho. Nem imagino como será o dia do nosso primeiro e derradeiro encontro.
As diversas culturas a encaram de tantas formas diferentes que sua identidade até se perde. A morte que alivia, a morte que assusta, a morte transitória, a morte que não é morte, a morte dos que só morrem. Embora teorias filosóficas a definam, um velho escritor nordestino resumiu a morte de forma perfeita: “é o mal irremediável”.
No dia em que ela vier ao meu encontro, sinto informar que não estarei de peito aberto a esperando, meu coração estará fechado. Minha alma pedirá socorro e mesmo que seja em vão, a desgraçada não terá o prazer de me levar por inteiro, porque ninguém se vai sem aqui deixar um vírus na lembrança dos que ficaram se preparando para o encontro indesejado.