terça-feira, maio 11, 2010

Um simples olhar

Em cidades pequenas, geralmente, para algumas pessoas, as manhãs de domingo são dedicadas ao culto religioso, principalmente em famílias de doutrina católica. Não foi diferente na terceira semana de abril de 1988 em São Francisco com uma tal família de lá. O caminho a ser percorrido era o mesmo. As roupas eram as tradicionais: menino de sapato, calça preta, camisa de botão branca e uma gravatinha; a mãe com um vestido longo e alinhado de forma a cobrir todo o corpo e eliminar qualquer possibilidade de nudez. Após quinze minutos de caminhada, eles se encontram com outros fiéis que já se estavam na porta da igreja. O coroinha grita: já vai começar! A conversa termina e todos vão juntos quase em forma de fila e aos poucos ocupando seus lugares. O padre inicia a missa. O menino, impaciente como todo rapaz de 17 anos não para de olhar pra fora, para os lados, menos para o padre. Na verdade ele detesta aquilo, o que é normal, mas sua mãe não entende e ele até desistiu de convencê-la. Em uma das viagens de seus olhos, eles encontram os de outro rapaz que, estranhamente, estava em pé na porta. Também devia estar impaciente. Mas ele não estava vestido como o menino. Suas roupas não eram de missa. Aliás, nada convencional, mas também nada extravagante. Os olhares se comunicavam, concordavam que aquilo estava uma merda. Mas eles não se conheciam, nunca se viram.
Dois dias depois da missa, o menino reviu rapidamente o rapaz. Dessa vez não cruzaram olhares, o rapaz estava atento ao movimento da cidade, caótico naquele instante. Em casa, o menino se propunha a ler e tentar desvendar o mistério que viu nos olhos do rapaz. Muitas hipóteses surgiam em sua imaginação, mas nada contemplava suas expectativas. Ele queria algo excitante, novo e não aquilo tudo que cercava seu cotidiano. Decidiu então que da próxima vez que visse o rapaz, iria lhe perguntar quem era e de onde vinha. O menino estava na praça fingindo ler, enquanto, na verdade, seus olhos procuram o rapaz misterioso. Não o encontrou, mas prometeu a si mesmo voltar no outro dia. Feito isso, sentou novamente na praça e viu o rapaz atravessar a rua. Primeiro ele ia analisar o rapaz, mas isso era uma desculpa para sua falta de coragem. Quando o rapaz de aproximou, o menino pensou: porque estou fazendo isso? O que ele tem a ver comigo? Vou embora. Chegou em casa e por três dias esqueceu o rapaz até que sua mãe, algum momento falou da missa. Relembrava os olhares e se perguntava: será que ele estava olhando pra mim? Pensou em ir de novo procurar o rapaz, mas desistiu, tinha medo, não sabia o motivo de estar fazendo isso. Da sala sua mãe grita: venha cá meu filho, conheça a filha da vizinha. O menino foi e constatou a beleza da moça, embora nunca tenha namorado, talvez nem beijado, soltou uma expressão comum e voltou a seu quarto. A moça respirou aliviada. Estava puta.
O único bar da cidade estava cheio, era sábado. Escondido, o menino resolveu ir até lá. Não encontrou ninguém conhecido, mesmo estando em uma cidade pequena. Pensou em voltar, mas passou por sua cabeça que o rapaz pudesse estar por ali. Sentou na calçada e esperou, olhou, cochilou, olhou novamente. Não viu nada. Já estava cansado e sonolento. Sua boca abria constantemente e seus olhos, apesar de vermelhos, permaneciam atentos. Passou duas horas e ele viu o rapaz dobrar a esquina e entrar no bar, que essa hora já estava menos cheio. O menino andou até a entrada, mas não entrou, o segurança o reconheceu. Isso o ajudou a ir pra casa.
O dia amanhece escuro, chuvoso. O menino dorme até tarde, o dia estava uma merda mesmo. Ele levanta e vai direto para a mesa almoçar. Sua mãe estava ouvindo rádio. Ele, como detestava rádio, pediu para ela desligar. Ela não desligou, disse que queria ouvir o que, exatamente, aconteceu no bar na noite anterior. Ele pergunta: mas o que aconteceu? A mãe diz que foi uma briga, mas não sabe ao certo, só sabe que foi uma briga e que mataram alguém. Ele se assusta, nos olhos o medo de que ela descobrisse que ele estava lá horas antes do incidente. Além do temor, a curiosidade de saber quem morreu. A mãe não sabe. O locutor anuncia que foi um rapaz. O menino engole a comida e levanta. Agora seus ouvidos estão atentos e só ouvem o rádio. A descrição do rapaz morto se encaixa nas suas lembranças. Ele recriava tudo na tentativa de ter certeza. Mas nem precisava disso.
A notícia era de que um rapaz havia sido espancado por um grupo de homens. Os golpes foram certeiros e causaram morte instantânea. Não se sabe o motivo. Aparentemente, o rapaz estava sozinho no bar. Testemunhas dizem que seus olhos procuravam alguém, que ele estava o tempo todo angustiado. Ninguém o conhecia, mas acreditam que algo o fez ficar. Agora ele está morto, assassinado sem motivo aparente. O menino não entendeu nada, muito menos sua tristeza.

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