domingo, dezembro 19, 2010

Sete corações

Dizem que há sete mares, que gatos têm sete vidas e dizem até que existem sete maravilhas no mundo moderno e antigo. Alguém diz isso, mas nem me angustia saber quem são, não quero saber. Será que existem sete corações e, como os gatos perdem vidas, perdemos um coração a cada estilhaçar de esperanças amorosas? Não é uma ideia absurda, levando em consideração que uma hora as pessoas cansam e param de gastar tentativas, deixando pelo menos um coração de reserva.
Se minhas contas estão certas, perdi uns três corações. Sendo assim, ainda tenho quatro. Acho que é o suficiente. Mais cedo ou mais tarde a dona de um deles vai aparecer pedindo a guarda. Sou paciente, esperei uns oitos anos (contando de minha adolescência), espero mais um ou dois dias. Tá, mais um ou dois anos, mas não mais que isso. Enlouqueço se tiver de esperar uma ou duas décadas. Afinal, os quatro corações restantes podem perder o prazo de validade, endurecendo demais.
Pode parecer clichê, démodé, o que for, mas vou gastar as quatro chances que tenho, segundo minha própria maluquice, ou melhor, minha própria teoria. Vou encontrar alguém que o aquiete, faça dormir e embale como num daqueles sonhos dos quais não queremos acordar nunca.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Sampa

Fedida, suja, monstruosa, encantadora, universal. Sim, São Paulo existe. Não é apenas um delírio televisivo. Demorei pra conhecê-la, mas, enfim, estive em seus braços, mesmo que por um dia. Digamos que seja uma senhora enxuta, com seus mendigos e usuários de crack disputando o espaço visual com prédios, carros e monumentos culturais, como o Museu da Língua Portuguesa. Assim como o Brasil, São Paulo pode ser definida como terra dos contrastes, mas também da sedução.
São Paulo, eu voltarei. Tá, isso foi demais.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Tentativa

Queria agora, nessas linhas prematuras, escrever uma história, não sei se de amor, de paixão, de ódio ou uma simples história. Queria que fosse minha vida resumida em palavras simples, daquelas ditas a uma criança. Meus pensamentos vivem em estado de intenso conflito, sem saber para onde correr em caso de emergência. Apesar de que os fios do meu pensamento sempre estiveram alinhados e conduzidos ao lado vermelho da força. As páginas que leio, as imagens que minha pupila decifra, mal e porcamente, são roteiros já traçados de uma história de insucessos repetidos a exaustão. Mas seguirei cansado pelas esquinas, ruas e praças e meu cérebro irá projetar o velho roteiro, para que eu não me perca e fuja para o lado mais confortável, que já me seduziu em outras épocas.
Minha ingenuidade sonhadora me faz acreditar que no futuro os livros ainda vão contar histórias felizes e escritas pelos meus amigos. Há cinco anos fiz uma escolha pensando que um dia seria capaz de fazer nas páginas dos jornais. Sei que não posso, ainda, vejam bem, ainda. Eles ainda vão falhar. Esse podre sistema não pode ser tão podre. No dia 3 de outubro essa prova será dada.

terça-feira, agosto 03, 2010

Um dia eu vou, mas não agora!

Tenho medo da morte. Ela nunca me perseguiu, mas tenho medo dela. Sei que ela me ronda, me cheira, me sente me deseja, mas nunca foi explícito, nunca foi um amor declarado. Vejo ela nos jornais, na TV, na rua, na esquina, na casa do vizinho. Nem imagino como será o dia do nosso primeiro e derradeiro encontro.
As diversas culturas a encaram de tantas formas diferentes que sua identidade até se perde. A morte que alivia, a morte que assusta, a morte transitória, a morte que não é morte, a morte dos que só morrem. Embora teorias filosóficas a definam, um velho escritor nordestino resumiu a morte de forma perfeita: “é o mal irremediável”.
No dia em que ela vier ao meu encontro, sinto informar que não estarei de peito aberto a esperando, meu coração estará fechado. Minha alma pedirá socorro e mesmo que seja em vão, a desgraçada não terá o prazer de me levar por inteiro, porque ninguém se vai sem aqui deixar um vírus na lembrança dos que ficaram se preparando para o encontro indesejado.

sexta-feira, julho 16, 2010

Franca decadência

Não quero
Não quero você
Não quero saber quem é você
Não me interessa saber de onde você é
O que você faz, muito menos
Não preciso saber o que você sabe
Como você é, eu já sei, eu te imagino
Porque a única certeza que tenho é o seu nome
E ele está estampado na sua cara
Agora me deixe aqui com meus devaneios
Talvez isso um dia te interesse
Você ainda está aí?
O que você quer?
Eu já te respondi!
Meu Deus!

sexta-feira, maio 28, 2010

Delírios autênticos

Por um instante, que durou uma infinidade, o céu fechou e dele não saíram nem anjos nem demônios. Seria o fim da humanidade? Estaria a raça humana desprotegida da ira dos céus? Meus olhos também se fecharam e só conseguiam olhar para dentro de mim mesmo. Minha alma, cheia de culpa, gemia em busca de socorro e dentro dela a imagem projetada do cansaço, da angústia e da falta do teu corpo, que contempla meu desejo e abre minha retina para além desse mundo tomado pela ira dos anjos e calor dos demônios. Sei que teu cheiro só virá junto com o vento que sopra meus cabelos e passa rente ao meu olfato, que a essa altura perdeu a sensibilidade. Mas diante de tudo, ainda me cutuca a esperança que dessa terra de ambigüidades e cinismos vai brotar o teu amor por mim e pelas minhas loucuras, que flertam com a insanidade e mergulham numa vida de prazer e delírio intenso. Essa mistura de um homem louco com um ser platônico ainda vai dar em “samba”.

terça-feira, maio 11, 2010

Um simples olhar

Em cidades pequenas, geralmente, para algumas pessoas, as manhãs de domingo são dedicadas ao culto religioso, principalmente em famílias de doutrina católica. Não foi diferente na terceira semana de abril de 1988 em São Francisco com uma tal família de lá. O caminho a ser percorrido era o mesmo. As roupas eram as tradicionais: menino de sapato, calça preta, camisa de botão branca e uma gravatinha; a mãe com um vestido longo e alinhado de forma a cobrir todo o corpo e eliminar qualquer possibilidade de nudez. Após quinze minutos de caminhada, eles se encontram com outros fiéis que já se estavam na porta da igreja. O coroinha grita: já vai começar! A conversa termina e todos vão juntos quase em forma de fila e aos poucos ocupando seus lugares. O padre inicia a missa. O menino, impaciente como todo rapaz de 17 anos não para de olhar pra fora, para os lados, menos para o padre. Na verdade ele detesta aquilo, o que é normal, mas sua mãe não entende e ele até desistiu de convencê-la. Em uma das viagens de seus olhos, eles encontram os de outro rapaz que, estranhamente, estava em pé na porta. Também devia estar impaciente. Mas ele não estava vestido como o menino. Suas roupas não eram de missa. Aliás, nada convencional, mas também nada extravagante. Os olhares se comunicavam, concordavam que aquilo estava uma merda. Mas eles não se conheciam, nunca se viram.
Dois dias depois da missa, o menino reviu rapidamente o rapaz. Dessa vez não cruzaram olhares, o rapaz estava atento ao movimento da cidade, caótico naquele instante. Em casa, o menino se propunha a ler e tentar desvendar o mistério que viu nos olhos do rapaz. Muitas hipóteses surgiam em sua imaginação, mas nada contemplava suas expectativas. Ele queria algo excitante, novo e não aquilo tudo que cercava seu cotidiano. Decidiu então que da próxima vez que visse o rapaz, iria lhe perguntar quem era e de onde vinha. O menino estava na praça fingindo ler, enquanto, na verdade, seus olhos procuram o rapaz misterioso. Não o encontrou, mas prometeu a si mesmo voltar no outro dia. Feito isso, sentou novamente na praça e viu o rapaz atravessar a rua. Primeiro ele ia analisar o rapaz, mas isso era uma desculpa para sua falta de coragem. Quando o rapaz de aproximou, o menino pensou: porque estou fazendo isso? O que ele tem a ver comigo? Vou embora. Chegou em casa e por três dias esqueceu o rapaz até que sua mãe, algum momento falou da missa. Relembrava os olhares e se perguntava: será que ele estava olhando pra mim? Pensou em ir de novo procurar o rapaz, mas desistiu, tinha medo, não sabia o motivo de estar fazendo isso. Da sala sua mãe grita: venha cá meu filho, conheça a filha da vizinha. O menino foi e constatou a beleza da moça, embora nunca tenha namorado, talvez nem beijado, soltou uma expressão comum e voltou a seu quarto. A moça respirou aliviada. Estava puta.
O único bar da cidade estava cheio, era sábado. Escondido, o menino resolveu ir até lá. Não encontrou ninguém conhecido, mesmo estando em uma cidade pequena. Pensou em voltar, mas passou por sua cabeça que o rapaz pudesse estar por ali. Sentou na calçada e esperou, olhou, cochilou, olhou novamente. Não viu nada. Já estava cansado e sonolento. Sua boca abria constantemente e seus olhos, apesar de vermelhos, permaneciam atentos. Passou duas horas e ele viu o rapaz dobrar a esquina e entrar no bar, que essa hora já estava menos cheio. O menino andou até a entrada, mas não entrou, o segurança o reconheceu. Isso o ajudou a ir pra casa.
O dia amanhece escuro, chuvoso. O menino dorme até tarde, o dia estava uma merda mesmo. Ele levanta e vai direto para a mesa almoçar. Sua mãe estava ouvindo rádio. Ele, como detestava rádio, pediu para ela desligar. Ela não desligou, disse que queria ouvir o que, exatamente, aconteceu no bar na noite anterior. Ele pergunta: mas o que aconteceu? A mãe diz que foi uma briga, mas não sabe ao certo, só sabe que foi uma briga e que mataram alguém. Ele se assusta, nos olhos o medo de que ela descobrisse que ele estava lá horas antes do incidente. Além do temor, a curiosidade de saber quem morreu. A mãe não sabe. O locutor anuncia que foi um rapaz. O menino engole a comida e levanta. Agora seus ouvidos estão atentos e só ouvem o rádio. A descrição do rapaz morto se encaixa nas suas lembranças. Ele recriava tudo na tentativa de ter certeza. Mas nem precisava disso.
A notícia era de que um rapaz havia sido espancado por um grupo de homens. Os golpes foram certeiros e causaram morte instantânea. Não se sabe o motivo. Aparentemente, o rapaz estava sozinho no bar. Testemunhas dizem que seus olhos procuravam alguém, que ele estava o tempo todo angustiado. Ninguém o conhecia, mas acreditam que algo o fez ficar. Agora ele está morto, assassinado sem motivo aparente. O menino não entendeu nada, muito menos sua tristeza.

sexta-feira, maio 07, 2010

Quem brinca de sentir medo?

Sinto um medo incontrolável de algo que não conheço, do que mais tarde vai me punir por tudo aquilo que deixei de fazer. Se ao menos sua sombra chegasse aos meus olhos como luz preta e fosca. Nada. Nada. Nada se aproxima. Só de pensar minhas pernas criam autonomia e meus ouvidos escutam o ranger de uma arcada dentária qualquer. Mas não vou fugir, nem posso, não consigo, não me deixam, não quero. Sento na estrada e espero o caminhão voar por cima de mim. Entro no mar e aguardo os tubarões me beijarem. É tudo assim, monótono, até o medo que me fode a vida sossega entre os lábios da mulher que se aproxima. Tudo o que acabo de escrever não faz sentido. Um certo cantor me disse que somos seres eternos e o que vivemos é uma fase. Então para que me preocupar o inesperado e importuno. É mais fácil dormir e sonhar.

É assim que nos sentimos

Inconfesso Desejo
(Carlos Drummond de Andrade)

Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo